POLÍTICA
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Putin deixa avisos à Europa à medida que o mundo entra numa 'era multipolarizada'
Putin diz que o mundo está a entrar numa ordem multipolar que rejeita o domínio ocidental, advertindo que a resposta de Moscovo ao aumento militar da NATO será "muito convincente".
Putin deixa avisos à Europa à medida que o mundo entra numa 'era multipolarizada'
Ele disse que a multipolaridade é «um fenómeno qualitativamente novo» que cria tanto oportunidades como riscos. / Foto: AP
3 de outubro de 2025

O presidente russo, Vladimir Putin, declarou na quinta-feira que o mundo está a entrar numa «era policêntrica», em que nenhuma potência pode ditar regras, alertando a Europa contra a militarização, expressando apoio condicional às propostas do Presidente dos EUA, Donald Trump, para Gaza e atribuindo a responsabilidade pela continuação da guerra na Ucrânia aos Estados ocidentais.

«As discussões no fórum Valdai oferecem uma oportunidade para avaliar de forma objetiva e abrangente a situação em todo o mundo», disse ele, acrescentando que a multipolaridade é «um fenómeno qualitativamente novo» que cria oportunidades e riscos.

«Ninguém está pronto para seguir regras estabelecidas por uma pessoa em algum lugar distante», argumentou.

Mundo multipolar e governação global

Putin argumentou que um mundo multipolar é mais democrático, uma vez que permite que «um grande número de atores políticos e económicos» influenciem os resultados.

«Talvez nunca antes no cenário global tenha havido tantos países a influenciar ou a procurar influenciar os processos regionais e globais mais importantes», afirmou.

Putin insistiu que as soluções neste ambiente devem basear-se num amplo consenso.

«Quaisquer soluções só são possíveis com base em acordos que satisfaçam todas as partes interessadas ou a esmagadora maioria. Caso contrário, não haverá nenhuma solução viável», afirmou.

Acrescentou que as instituições lideradas pelo Ocidente «perderam o seu significado» ao afastar-se dos seus mandatos originais e transformarem-se em «plataformas para palestras políticas».

O líder russo elogiou organizações como o BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai, dizendo que elas refletem um consenso genuíno e equilíbrio entre os membros.

“Elas não são contra ninguém, são a favor de si mesmas”, disse ele, contrastando isso com o que descreveu como tendências “hegemónicas” do Ocidente.

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Europa, NATO e segurança

Putin dedicou grande atenção à Europa, retratando-a como um continente cujas elites fabricam ameaças da Rússia para encobrir crises internas.

Ele disse que os líderes europeus estão «a inflacionar o a imagem de um inimigo», enquanto os seus próprios cidadãos enfrentam dívidas crescentes, desafios migratórios e «uma crise crescente dos sistemas de segurança social».

«A maioria das pessoas na Europa não consegue compreender por que têm tanto medo da Rússia que, para a enfrentar, têm de apertar ainda mais o cinto e esquecer os seus próprios interesses», afirmou.

Rejeitou as alegações de que a Rússia planeia atacar a NATO como «absurdas» e «impossíveis de acreditar».

Alertando para o aumento do poderio militar, Putin disse: «Estamos a acompanhar de perto a crescente militarização da Europa. A resposta da Rússia não tardará a chegar. A resposta a estas ameaças, para dizer o mínimo, será muito convincente.»

Ele salientou que a Rússia «nunca iniciou um confronto militar», mas a história mostra que «a fraqueza é inaceitável, porque cria a ilusão de que qualquer problema connosco pode ser resolvido pela força».

Conflito na Ucrânia

Referindo-se à guerra na Ucrânia, Putin chamou-a de «uma tragédia ucraniana... dolorosa para os ucranianos e russos, para todos nós».

Ele repetiu o argumento de Moscovo de que os países ocidentais há muito usavam a Ucrânia como uma ferramenta «para expandir a sua zona de controlo» e disse que Kiev tinha sido transformada em «material descartável».

Afirmou que o conflito poderia ter sido evitado se as administrações anteriores dos EUA tivessem adotado uma abordagem diferente e se a NATO não tivesse avançado em direção às fronteiras da Rússia.

«Se a Ucrânia tivesse preservado a sua independência, a sua verdadeira soberania, isto poderia ter sido evitado», disse.

Putin afirmou que as forças russas detêm a iniciativa estratégica no campo de batalha, citando avanços em várias áreas.

Apresentou também números detalhados sobre baixas e deserções na Ucrânia, alegando que a mobilização de Kiev está a vacilar.

É difícil verificar de forma independente estas alegações sobre o campo de batalha devido ao conflito em curso.

Exortou Kiev a negociar.

«Seria melhor que os líderes de Kiev pensassem em como chegar a um acordo. Já discutimos isto muitas vezes e propusemos fazê-lo.»

Ele insistiu que a Rússia tem mão de obra suficiente e que as suas perdas são «muitas vezes menores» do que as da Ucrânia.

Putin também saudou os esforços de mediação de países como China, Índia, Arábia Saudita e Türkiye, mas acusou a Europa de deliberadamente intensificar o conflito.

Relações com os EUA

Sobre as relações com Washington, Putin adotou um tom pragmático, afirmando que a atual administração dos EUA comunica-se diretamente.

«É sempre melhor compreender claramente o que a outra pessoa quer do que tentar adivinhar através de dicas vagas», afirmou.

Acrescentou que a Rússia reserva-se o direito de perseguir os seus próprios interesses nacionais, um dos quais é restaurar «relações plenas com os Estados Unidos».

«Independentemente das diferenças, se nos tratarmos com respeito, então as negociações — mesmo as mais difíceis e persistentes — acabarão por conduzir a um consenso», afirmou.

Gaza e o Médio Oriente

Putin também abordou o conflito em Gaza, descrevendo-o como «um evento horrível na história moderna». Ele disse que até mesmo o secretário-geral da ONU, António Guterres, chamou Gaza de «o maior cemitério infantil do mundo», considerando o custo humanitário «trágico».

Sobre as iniciativas de Trump, Putin disse que elas «podem trazer alguma luz ao fim do túnel».

Ele disse que entregar o controle de Gaza ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, seria a “opção preferível” e considerou a ideia de Trump de libertar todos os reféns em Gaza, juntamente com a libertação de palestinianos das prisões israelitas, “digna de apoio”.

Ele enfatizou que qualquer plano deve ser aceito pelos próprios palestinianos, incluindo o Hamas, e pelo mundo islâmico em geral.

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