As secas devastaram as plantações no Peru, os incêndios queimaram a Amazónia e as barragens hidroelétricas no Equador têm lutado para manter as luzes acesas à medida que os rios secam.
Os cientistas dizem que a causa pode estar bem acima da floresta tropical, onde “rios voadores” invisíveis transportam a chuva do Oceano Atlântico através da América do Sul. Uma nova análise alerta que o desmatamento implacável está a interromper esse fluxo de água e sugere que a perda contínua de árvores agravará as secas no sudoeste da Amazónia e poderá eventualmente levar essas regiões a passar de floresta tropical para savana mais seca — pastagens com muito menos árvores.
“Estas são as forças que realmente criam e sustentam a floresta tropical amazónica”, disse Matt Finer, investigador sénior do Projeto de Monitorização da Amazónia Andina (MAAP) da Amazon Conservation, que acompanha o desmatamento e as ameaças climáticas em toda a bacia e realizou a análise.
“Se quebrarmos essa força ao cortar demasiada floresta, as chuvas param de chegar onde precisam chegar.”
O que são rios voadores e como funcionam?
A maior parte das chuvas da Amazónia começa sobre o Oceano Atlântico. O ar húmido é empurrado para o interior por ventos constantes que sopram para oeste ao longo do equador, conhecidos como ventos alísios. A floresta age então como uma válvula, transmitindo eficazmente a água milhares de quilómetros para oeste, à medida que as árvores absorvem água e depois a libertam de volta para o ar.
O cientista climático brasileiro Carlos Nobre foi um dos primeiros investigadores a calcular a quantidade de vapor de água do Atlântico que se deslocaria pela bacia amazónica e acabaria por sair dela. Ele e os seus colegas cunharam o termo «rios voadores» numa reunião científica em 2006, e o interesse cresceu à medida que os cientistas alertaram que o enfraquecimento dos rios poderia levar a Amazónia a um ponto de inflexão, no qual a floresta tropical se transformaria em savana. Isto é importante porque a floresta amazónica é um vasto depósito de dióxido de carbono, que é o principal responsável pelo aquecimento global. Tal mudança devastaria a vida selvagem e as comunidades indígenas e ameaçaria a agricultura, o abastecimento de água e a estabilidade climática muito para além da região.
A análise do grupo de Finer descobriu que o sul do Peru e o norte da Bolívia são especialmente vulneráveis. Durante a estação seca, os rios voadores atravessam o sul do Brasil antes de chegar aos Andes — precisamente onde o desmatamento é mais intenso. A perda de árvores significa que menos vapor de água é transportado para oeste, aumentando o risco de seca em áreas protegidas icónicas, como o Parque Nacional Manu, no Peru.
O que pode ser feito?
Proteger florestas intactas, apoiar os direitos territoriais dos povos indígenas e restaurar áreas desmatadas são os caminhos mais claros a seguir, afirmam os investigadores. “Para evitar o colapso, precisamos de zero desmatamento, degradação e incêndios — imediatamente”, disse Nobre. “E devemos iniciar uma restauração florestal em grande escala, não menos que meio milhão de quilómetros quadrados. Se fizermos isso e mantivermos o aquecimento global abaixo dos 2 graus, ainda podemos salvar a Amazónia.”
Finer disse que os governos devem considerar novas categorias de conservação projetadas especificamente para proteger os rios voadores — salvaguardando não apenas a terra, mas também os fluxos atmosféricos que tornam a floresta tropical possível.